Mário, Ludovina, António e Zulmira integram o grupo de 76,52% da população com 80 ou mais anos que já foi vacinado contra a covid-19. E contam como tem sido.
Na entrada, é confirmada a hora da marcação, são trocadas as máscaras e desinfetadas as mãos. As pessoas que se deslocam de cadeira de rodas têm sempre prioridade, não tendo de aguardar na fila. De seguida, são encaminhados até uma sala onde se sentam em cadeiras, dispostas em filas, através da ordem de chegada.
“As pessoas chegam no mesmo intervalo de tempo, há muitas cuja inoculação é marcada com distância de minutos. Há outro grupo de colegas que entrega os questionários a quem já levou a primeira dose. Se for a segunda dose, são chamados diretamente ao balcão”, começa por explicar Débora Monteiro, de 22 anos, cujo quotidiano, há duas semanas, passa por trabalhar no Centro de Vacinação de Carnaxide, no Pavilhão Carlos Queiroz, em Oeiras.
“Quem entrega os questionários também os recolhe e há outra pessoa que chama cada utente para se dirigir à zona dos computadores por ordem para que outros colegas possam ver o questionário e o cartão do cidadão”, elucida a jovem estudante de Ortóptica e Ciências da Visão, na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa e que, por meio do programa “Tempo Jovem”, da Câmara Municipal de Oeiras – que tem como principal objetivo a ocupação dos tempos livres dos jovens, através do contacto com atividades estruturadas e organizadas em variadas áreas de atividade profissional – foi chamada a desempenhar funções no centro.
“Há outro colega que chama as pessoas que estão despachadas e indica uma sala de vacinação. Há 14 cadeiras fora da sala e, se a mesma estiver cheia, os utentes ficam a aguardar. Caso contrário, podem entrar”, continua a rapariga, que já conhece bem o circuito que realiza diariamente, não esquecendo de realçar que os funcionários administrativos nunca entram na sala de vacinação. “Podemos é levar lá alguém. Recordo-me de um dia em que não havia quase utentes a aguardar e ouvimos um grito. Era uma senhora que tinha fobia de agulhas e entrou em pânico”, continua Débora, lembrando que a última fase é a do recobro, com a duração de 30 minutos.
“É colocado um autocolante na camisola de cada pessoa com a hora da inoculação escrita. Não posso dizer que já tenhamos lidado com reações adversas à vacina porque os únicos casos que tivemos foram os de idosos a sentirem-se mal dispostos ou zonzos, muitas das vezes, por estarem extremamente nervosos”, reconhece, salientando que, mesmo nessas situações, as pessoas foram encaminhadas para junto dos enfermeiros. “Saíram sempre do centro pelo próprio pé. Por outro lado, também há cadeiras específicas para quem tem alergias, há um cuidado redobrado”, frisa.
Entre o medo e o alívio “Todos os idosos, sem exceção, perguntam qual é a vacina, quando chegam, e nunca podemos revelar essa informação porque, para além de mudar todos os dias, temos ordens para deixar isso com os enfermeiros”, diz Débora, adiantando que “quase ninguém quer levar a AstraZeneca”.
Recorde-se que a segunda fase de vacinação, que integra as pessoas com idade igual ou superior a 65 anos que não tenham sido vacinadas previamente, teve início a 12 de abril, sendo que são estas a quem se destina a vacina da empresa britânica. No entanto, quatro dias depois do Infarmed e da Direção-Geral da Saúde (DGS) terem reiterado, relativamente a esta vacina, que os “benefícios superam os riscos”, consideraram que a vacina só seria administrada a pessoas com mais de 60 anos. Apesar de os idosos de que a universitária fala serem mais velhos, não é por isso que deixam de ter receio.
É de lembrar que foi neste centro de vacinação que, a 7 de abril, vários utentes não quiseram levar a vacina da AstraZeneca, apesar das garantias então dadas pelos especialistas — e pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) — de que o fármaco é seguro e que os casos de coágulos no sangue são raros.
À época, à TVI, dois utentes desabafaram que foram informados, na altura da convocatória, de que seriam vacinados com o fármaco da Pfizer, porém, no dia da inoculação, foi-lhes dito que, afinal, receberiam a vacina AstraZeneca.
“Perceberam que a vacina foi associada ao risco de trombose e ficaram mais ansiosos”, afirma. “Os mais velhotes gostam de quando vamos falar com eles e costumam ter sempre as mesmas dúvidas. Em primeiro lugar, não percebem a primeira pergunta, do questionário, isto é, não entendem que, quando perguntamos se se estão doentes naquele dia, referimo-nos a uma constipação, por exemplo”, refere, relacionando-se esta questão com “o desconhecimento do conceito de doenças crónicas e também com os anticoagulantes, pois nem sempre conseguem perceber se os tomam ou não”, adiciona, expressando que, no final da inoculação, “as pessoas têm reações muito distintas”, na medida em que “algumas parecem sentir indiferença, os mais velhinhos saem muito nervosos – uma senhora saiu de lá a chorar – e há uns, mais na segunda dose, que dizem ‘Estou imunizado, já vou embora’”.
Naquilo que diz respeito ao feedback recebido da parte deste grupo etário, Débora destaca que “os elogios são constantes, sobretudo, sobre a organização”, até porque o centro tem um Livro de Elogios e “bastantes idosos fazem questão de deixar uma mensagem”. O descontentamento, esse, surge em ocasiões pontuais: “A título de exemplo, no sábado, havia muitas marcações para a segunda dose e algumas pessoas esperaram mais e ficaram aborrecidas mas, quando isso acontece, tentamos tranquilizá-las”, explicita.
“parece que temos de mendigar para receber a vacina” De acordo com os últimos dados disponibilizados pela Direção Geral da Saúde, até este domingo foram administradas em todo o país 3,3 milhões de doses da vacina, com 870 mil portugueses que já têm as duas doses, perto de 9% da população. Portugal é o 37.º país com a maior taxa de doses administradas por 100 habitantes do mundo.
“Em termos de Saúde Pública, o problema ainda não está dominado porque os mais jovens são aqueles que propagam o vírus”, admite Débora, avançando que “se falarmos especificamente nos lares, por exemplo, é muito bom porque não vai haver surtos, vai haver menos pessoas a necessitarem de cuidados hospitalares e o panorama vai tornar-se mais positivo”.
“Ainda não me sinto tão à vontade para ir visitar os meus avós porque o meu avô ainda só levou a primeira dose e a minha avó ainda não foi vacinada”, declara, adiantando que, quando está em casa dos idosos, Lurdes e Mário Monteiro, de 78 e 81 anos, respetivamente, usa sempre máscara.
Segundo a informação mais recente, que diz respeito à semana que acabou a 25 de abril, nessa altura 52,62% da população entre os 65 e os 79 anos já tinha recebido uma ou mais doses da vacinas – correspondente a 844.255 doses – e, por outro lado, 76.52% da população com 80 ou mais anos já foi inoculada, percentagem que corresponde a 517.155 doses. É este grupo etário que está mais perto de atingir a cobertura total. O que muda quando se tem a proteção total?
Débora e os avós residem no concelho de Oeiras, pertencente à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, onde 7,09% da população já se encontra completamente vacinada.
“O meu marido teve um AVC há seis anos, no dia 4 de maio de 2014, e está acamado. Foi vacinado com a primeira dose da vacina da Pfizer no dia 5 de abril. Devo dizer que tinha muitos anseios, mas, realmente, não teve efeitos secundários.”, narra Lurdes, cuidadora informal, acrescentando que a toma da segunda dose está agendada para o próximo dia 12 de maio.
“Em dezembro, telefonaram-me do centro de saúde para falarem com o meu marido, e eu expliquei que ele já não fala. Depois, disseram que me telefonariam e fizeram-no em março. Nesse mesmo mês, recebi a SMS do número 2424 e uns dias depois ligaram-me”, diz, garantindo que informou os profissionais do órgão mencionado de que Mário está acamado e “que não o levaria a lado nenhum”.
“No dia da marcação, uma enfermeira veio cá a casa. Achei estranho que fosse embora tão rapidamente, mas ela disse ‘que se tivesse de acontecer alguma coisa, teria acontecido nos primeiros minutos’”, lembra, salientando que, no dia seguinte, foi contactada pela mesma profissional. “Ela perguntou-me se a minha mãe estava bem e eu respondi-lhe que a minha mãe não vive comigo. Na verdade, a minha mãe já morreu, quis só certificar-me de que ela se recordava de que tinha vacinado o meu marido. Depois de falarmos um pouco, pediu desculpa e explicou que tinha inoculado muitas pessoas e não se lembrava de todas. E eu entendo isso”, narra Lurdes.
“Naquilo que diz respeito ao caso do meu marido, acho que está a correr tudo bem, mas eu não quero ser vacinada já”, admite a sobrevivente de um cancro que teme não ter capacidades para cuidar do companheiro. “Quando estava a fazer a quimioterapia, tive uma embolia pulmonar bilateral, soltou-se um trombo que me tapou os dois pulmões, e estive às portas da morte. Já ouvi falar mal de todas as vacinas em termos de risco de trombose”, lamenta.
“Só quero ser inoculada quando a minha sobrinha for porque ela disponibilizou-se para me ajudar se eu ficar mal. Ela vai ser vacinada com a primeira dose esta semana”, relata Lurdes, esperançosa. “Por aquilo que vejo na televisão, não concordo com a forma como tratam os velhos porque parece que temos de mendigar para receber a vacina. É esta a minha posição, é este o meu feitio”, finaliza.
É compreensível que, apesar de não pretender ser inoculada para já, Lurdes se sinta mais segura com a vacinação do marido e Débora aguarde a finalização deste processo para estar com os avós sem temor. De acordo com um estudo coordenado pelo Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), que envolveu 146 idosos vacinados contra a covid-19 em lares, 95% desenvolveram anticorpos após a segunda dose e os restantes 5% não adquiriram imunidade, foi hoje divulgado.
Esta investigação foi levada a cabo entre janeiro e março com idosos de mais de 70 anos, residentes em quatro lares do concelho de Almeirim e inoculados com a vacina da Pfizer/BioNTech – a mesma que Mário tomou –, que é administrada em duas doses. Confirmou-se que, após a primeira dose, apenas 25% dos idosos geraram anticorpos contra o SARS-CoV-2, uma percentagem que sobe para 95% depois da segunda dose.
O estudo mediu os anticorpos contra o SARS-CoV-2 antes da vacinação, três a quatro semanas após a primeira dose e três semanas após a segunda dose e verificou-se que nenhum dos idosos da amostra esteve infetado antes de ser inoculado.
O estudo realça igualmente que o sistema imunitário dos idosos não responde do mesmo modo que o dos mais jovens à vacina contra a covid-19, tal como em relação a outras vacinas, sendo que “a resposta à primeira dose é muito mais ténue” nos mais velhos, havendo uma minoria que não desenvolve anticorpos mesmo após a segunda dose, como é possível ler no comunicado enviado pelo IGC aos órgãos de comunicação social.
Sabe-se que as pessoas vacinadas serão acompanhadas em estudos posteriores decorridos prazos de seis meses e um ano, para efeitos de monitorização da imunidade na população e da estratégia de vacinação.
“Sentir-me-ia muito mais segura se a vacina já tivesse chegado até mim” Aos 59 anos Maria Luísa Monteiro cuida da mãe de 87, Ludovina, que padece de “um mix de demências”. A idosa foi inoculada no Pavilhão Jácome Ratton, a 5 de março, com o fármaco da Pfizer, e receberá a segunda dose a 2 de abril.
“Foi de cadeira de rodas e correu tudo bem. Não teve quaisquer efeitos secundários”, expõe a cuidadora informal, não esquecendo de evidenciar que viver com as condicionantes da pandemia de covid-19 “foi uma frustração”, pois tanto as filhas de Luísa como os seus netos não se aproximavam dela nem da progenitora.
“Só os víamos a partir da janela, tínhamos sempre medo de que ela apanhasse o vírus, tínhamos muitas saudades.
Desde que a minha mãe levou a vacina, já estamos à vontade porque ela está inoculada”, salienta Maria Luísa. “Acho que as pessoas que têm todas as capacidades cognitivas ficam mais descansadas, podem abraçar os filhos e os netos, já não têm de contar os dias para serem vacinados e estarem protegidos. Sentem-se mais seguros”, diz uma dos aproximadamente 1,4 milhões de cuidadores informais portugueses, à semelhança de Lurdes.
“A minha mãe não sabe que foi vacinada, até se riu para a enfermeira. Disseram-me que se aparecesse um altinho no braço, devia pôr gelo. Andei sempre a ver e não aconteceu nada. Ela não tem noção nenhuma daquilo que se está a passar, nem sequer sabe o que é a covid-19”, confessa.
“Sentir-me-ia muito mais segura se a vacina já tivesse chegado até mim, ficaria muito mais tranquila. Apesar de não sair muito de casa, só para as coisas essenciais, estaria mais à vontade”, desabafa a mulher que se dedica exclusivamente aos cuidados prestados à mãe há quatro anos.
Tanto Oeiras como Tomar pertencem à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo que, juntamente com a região Norte, soma o maior valor de doses inoculadas. No entanto, o Alentejo é a região do país que lidera em população com a vacinação completa (12%), seguindo-se o Centro (10,7%) e só depois Norte, Lisboa e Vale do Tejo e Algarve.
“Sinto-me muito bem, já estou pronto para outra” Segundo dados disponibilizados pelo município de Setúbal no passado dia 26 de abril, o mesmo contabilizava 12.494 casos acumulados. António Saraiva e Zulmira Matias, do Barreiro, não fazem parte desta estatística e agora já foram vacinados contra a covid-19.
“Sinto-me muito bem, já estou pronto para outra”, começa por dizer António com um sorriso, depois de questionado acerca daquilo que sentia após a toma da vacina. O homem de 84 anos, que sofre de diabetes e hipertensão, recebeu a primeira dose da vacina a meio de abril após ter sido chamado no próprio dia: “Ligaram-me a dizer que havia pessoas que não responderam às mensagens e às chamadas e perguntaram se o meu pai estava disponível para ir naquela mesma tarde”, conta a filha Helena.
A mulher, Zulmira, de 80 anos, já recebeu as duas doses da vacina e explica que não sentiu nenhum efeito secundário, “nem febre, nem tosse, só uma picadelazinha”. Além de ser hipertensa, como o marido, a octogenária afirma também ter tendência para padecer de AVC, visto que já sofreu de episódios no passado. Ambos sentem-se agora mais seguros e Zulmira adianta até que já foi “almoçar a casa do filho, no seu aniversário” e que não sentiu medo de estar ao pé das netas, sendo que “dentro de casa, toda a gente estava de máscara”.
Agendamentos marcados sem conhecimento prévio em Sintra Apesar de tudo ter corrido bem com Mário, Ludovina, António e Zulmira, volta e meia continua a haver problemas nas marcações. Foi o que aconteceu este domingo no Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) de Sintra: cerca de 200 autoagendamentos para vacinação contra a covid-19 levaram a um aglomerado de dezenas de pessoas em Agualva, quando o centro de vacinação afinal estava fechado.
“Contrariamente ao que estava previsto, houve agendamentos centrais feitos no Portal de Autoagendamento, portanto não estavam previstas essas vacinações”, indicou Clara Pais, responsável do ACES de Sintra, à agência Lusa.
Para além da fila de pessoas à espera em Agualva, há mais dois centros de saúde de Sintra “exatamente nas mesmas circunstâncias”, mas com menos registos de autoagendamentos. O ACES decidiu identificar os utentes para proceder ao reagendamento da vacinação pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, visto que são quem tem a responsabilidade pelos agendamentos.
“Os autoagendamentos são feitos pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde e fomos confrontados hoje de manhã com a existência desses autoagendamentos”, afirmou Clara Pais, ao informar que os utentes destes outros dois centros de saúde de Sintra estão a ser reagendados através de ‘SMS’.
Os centros de saúde de Sintra estavam fechados, este domingo, pois “não havia agendamentos prévios”, sublinhou a diretora executiva.
A seu lado, o presidente da Câmara Municipal de Sintra, Basílio Horta, afirmou que a situação que se viveu esta manhã nos centros de vacinação do concelho “é inaceitável”, sendo que já falou com os responsáveis do Governo, ao exigir “uma solução rápida e eficaz para resolver este problema e assegurar que situações idênticas não se repitam no futuro”.