coronavirus, virus, mask-4914026.jpg

Especialistas defendem fim das máscaras na rua antes de setembro

O ECO ouviu três especialistas sobre a possibilidade de deixar de ser obrigatório o uso de máscara na via pública antes do início da 2.ª fase do plano de desconfinamento.

No momento em que anunciou o plano de desconfinamento, o Governo previu que deixaria de ser obrigatório o uso de máscara na via pública caso se atingisse 70% da população com a vacinação completa. Esta quinta-feira, a ministra da Saúde, Marta Temido, revelou que Portugal chegou a essa meta, porém, a imposição do uso de máscara em espaços públicos deverá manter-se, pelo menos, até 12 de setembro, segundo a lei em vigor, proposta e aprovada pelo Parlamento. O ECO ouviu três especialistas sobre a necessidade do uso da máscara antes da segunda fase do plano de desconfinamento.

Defensor do desconfinamento “há bastante tempo”, o virologista Pedro Simas considera que este “devia estar condicionado ao efeito da vacinação na população portuguesa” e não “à percentagem de vacinação, apesar de haver um efeito entre a vacinação e o número de casos graves”.

Para o especialista, o Governo foi muito prudente com o plano apresentado e devia avançar-se já com outras medidas de desconfinamento, além do fim da imposição do uso de máscara na rua. “Uma pessoa [que] está vacinada e tem um contacto com uma pessoa que é positiva não deveria ficar em quarentena. Se não tem sinais clínicos e, ao fazer um teste PCR, é negativo, não tem que ficar em quarentena preventiva. Isso devia ser revisto”, defende.

Apesar disso, Pedro Simas aponta à necessidade de “ter alguma prudência, não desconfinar completamente e observar” o que acontece cá, mas também lá fora. “Israel está a ter algumas subidas de algumas hospitalizações, mas sobretudo em pessoas não vacinadas na mesma”, diz. “É importante estabelecer o equilíbrio endémico deste vírus e incutir a ideia na sociedade de que estamos muito protegidos pela vacinação”, acrescenta.

O professor e investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT-UNL), Tiago Correia, argumenta no mesmo sentido, mas considera que a questão “deve ser vista por vários ângulos”.

Um deles é “a eficácia de medidas às quais a população já não adere”, como se verifica em relação à obrigatoriedade do uso de máscara na via pública. “É relativamente consensual que é mais prejudicial do que benéfico ter medidas de obrigatoriedade que não são cumpridas, porque causa descrédito às autoridades. Se a maioria da população deixar de cumprir, deixa também de ser eficaz”, remata.

Segundo o especialista do IHMT, neste momento não há uma mensagem eficaz para reforçar a utilização de máscara. “Esta medida é daqueles exemplos em que os comportamentos têm de condicionar a tomada de decisão”, defende, apelando à sua revisão. Tiago Correia concorda “em parte” com o facto de o Governo fazer depender o desconfinamento do processo de vacinação, porque sendo as vacinas eficazes, tal “vai fazer com que a circulação do vírus não produza doença com a intensidade que produziu no passado” e, também por esse ponto de vista, considera que o uso obrigatório de máscara em espaços públicos “devia cair”.

No entanto, critica o facto de o Governo não ter dito quais os critérios que possam fazer o país recuar ou fazer suspender o processo de desconfinamento. “O Governo vai-se rapidamente confrontar com esta necessidade, olhando para os casos de Israel e do Reino Unido”, em que, apesar de estarem mais avançados do que Portugal na vacinação, estão a ser confrontados com “uma realidade dura de compreender”: comparativamente às últimas semanas, os mortos e os internamentos estão a aumentar nos dois países.

Tendo em conta que o vírus “não vai desaparecer”, o especialista em saúde pública crê que os países ou deverão seguir a política de zero casos, como a Nova Zelândia – o que, na Europa, “não é concretizável, nunca foi concretizável e não será concretizável” -, ou assumir que o regresso a “alguma normalidade” tem como moeda de troca “um certo número de internamentos e de óbitos”.

Nesse sentido, considera que a discussão agora terá de ser “ética”, ou seja, definir qual o número diário “eticamente aceitável” de óbitos e internamentos “sabendo que as pessoas têm que trabalhar, que estão muito cansadas e que muitas pessoas querem assumir maiores riscos para retomar algumas rotinas”. “Mais do que nunca, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, a meu ver, é o ponto central de toda esta discussão daqui em diante”, sugere.

Já o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, que integra a comissão técnica de vacinação contra a Covid-19, é mais prudente e chama a atenção para a necessidade de, mesmo em espaços abertos, “haver bom senso” após deixar de ser obrigatório o uso de máscara na via pública. O especialista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa apela a um desconfinamento gradual, estando “constantemente a acompanhar o que é que se está a passar nos hospitais”. “Hoje em dia, sou daqueles que concordam que não tem assim tanta importância o número de infeções como tem o número de doentes a necessitarem de hospitalização“, afirma.

Contrariamente à situação em Israel, um país muito avançado na vacinação mas que apresenta um aumento de casos com a variante Delta, Manuel Carmo Gomes diz que os números hospitalares em Portugal são, “para já, satisfatórios”, apesar de os internamentos terem aumentado com a quarta vaga de Covid-19, tendo agora estabilizado e não havendo “para já” sinal de subida. “Nós não estamos naquela situação, portanto, acho que sim, devemos gradualmente aliviar, tal como o Governo propôs. Agora, se é no dia 12, se é no dia 10, se é no dia 14, isso é daqueles preciosismos que ninguém é capaz de dizer com certeza“.

O membro da comissão de vacinação realçou ainda que, recentemente, foi analisado um indicador denominado “breakthrough infections, algo que também Israel e os EUA estão a acompanhar. Trata-se do número de casos de infeção em pessoas completamente vacinadas, um número que em Portugal, atualmente, é de 2,5 por 1000. “Por cada mil pessoas completamente vacinadas, nós temos 2,5 que testaram positivo depois de estarem vacinadas, e estar positivo não é estar doente, algumas nem sequer têm sintomas”, explica.

Apesar de existir uma propensão para esta taxa “aumentar ao longo do tempo, eventualmente porque a titulação de anticorpos vai decaindo suavemente” nesse período, Portugal tem ainda uma taxa muito baixa, portanto, “os portugueses que estão completamente vacinados continuam protegidos” e “é de avançar com as medidas de desconfinamento que o Governo propôs”.

fonte: https://eco.sapo.pt/2021/08/20/especialistas-defendem-fim-das-mascaras-na-rua-antes-de-setembro/