Esta semana vai decidir-se se o regime especial de estado de emergência, atualmente em vigor, se mantém, ou, pelo contrário, dará lugar à situação de calamidade, a outra etapa menos gravosa, prevista na Lei das Bases.
No dia em que acontece a reunião do Infarmed, e um dia depois de Portugal ter registado zero mortes por Covid-19, os especialistas mostram-se divididos sobre esta questão, com uns a achar que estamos em condições de levantar o regime e outros a considerar que devia ser mantido.
Ricardo Mexia, Presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANPSP), disse à Executive Digest que “o Estado de Emergência é uma ferramenta que permite implementar um conjunto de restrições aos nossos direitos, liberdades e garantias e por isso se a perspetiva é avançar para uma outra fase em que já não há tantas restrições, talvez já não seja necessário este regime jurídico”.
Sobre o facto de alguns concelhos ainda estarem acima do limiar de risco, podendo o levantamento do regime ser arriscado para os mesmos, o responsável indica que “se houver condições para continuar a aplicar determinadas medidas de forma geograficamente diferenciada, acho que uma coisa não invalida a outra”.
“O que me preocupa são as medidas que permitem manter a situação sob controlo, por isso, se não precisarmos de ter uma ferramenta jurídica mais robusta, penso que é uma boa notícia, todos esperamos uma retoma gradual da normalidade, ainda que com vigilância ativa, testagem e vacinação, que têm de se manter”.
Opinião diferente tem Pedro Esteves, professor e investigador do departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. “Acho que ainda é muito cedo, mas vamos acabar por sair (do estado de emergência). Os números são bons, é muito bom sinal, de que a vacinação está a funcionar bem, agora se baixarmos a guarda é evidente que a coisa, vai correr mal, tem tudo para correr mal”, disse à Executive Digest.
“Por isso pessoalmente, acho que ainda é cedo para sair do Estado de Emergência. Pelo menos devemos esperar mais um mês, para ver o que acontece com a reabertura dos centros comerciais e restaurantes. É importante esperar esse tempo para ver o verdadeiro impacto que essa retoma teve na evolução da pandemia”, defende o especialista.
O investigador considera que o levantamento do estado de emergência irá contribuir para um descontrolo. “É evidente que sim. Todos nós conhecemos o povo português, já sabemos como isto funciona. O que vai acontecer é que as pessoas vão sentir que o perigo já passou e vão baixar a guarda”.
“O meu maior medo é esta falta sensação de segurança que as pessoas têm, de que sempre que os números estão melhores podem aliviar, tal como aconteceu no verão do ano passado, que foi evoluindo e culminou com o epicentro de janeiro”, afirmou.
Pedro Esteves adianta ainda que importa “tentar perceber quantos casos estão a circular, tentar controlar a situação e esperar que tudo corra bem, apesar de eu achar que assim não vai correr”, afirma sublinhando a importância máxima de “manter as medidas de segurança, que isso é que eu acho absolutamente imperativo”.
Neste ponto, Ricardo Mexia concorda. “As medidas individuais devem manter-se durante algum tempo: distanciamento físico, higiene das mãos, etiqueta respiratória, uso da máscara”, afirmou o responsável, reiterando a sua importância para o sucesso do desconfinamento.
No entanto, questionados sobre se será possível Portugal voltar ao pico de casos vivido em janeiro, os dois especialistas voltam a discordar. Para Ricardo Mexia, “é possível que as coisas se compliquem e tenhamos um aumento da incidência”, até porque “temos ainda uma proporção relativamente reduzida de população imunizada”.
“Sem prejuízo disso, acho que o cenário de janeiro é irrepetível, já não é possível que as coisas corram dessa forma, na medida em que temos já vacinados aqueles que na prática têm uma mortalidade mais aumentada, e um maior consumo de cuidados de saúde, que já estão mais protegidos”, sublinhou.
Já Pedro Esteves, considera que “tudo está dependente da evolução de novas variantes. Se não tivermos um aumento, vamos conseguir controlar, mas se tivermos então vamos voltar a essa situação, quase de certeza”, afirmou.