Portugal é o país da União Europeia com menor incidência da doença. A situação é confortável e não justifica novo estado de emergência com restrições, diz o especialista Carlos Antunes, da Faculdade de Ciências. Peritos e políticos voltam a reunir na terça-feira no Infarmed para decidir o futuro.
E ao fim do 15.º estado de emergência o país pode respirar de alívio. Portugal tem agora uma incidência da doença de 72,1 casos por 100 mil habitantes e um R(t) de 0.98. Números que levam o professor do departamento de Geografia da Faculdade de Ciências (FC) da Universidade de Lisboa, Carlos Antunes, a afirmar que “nas circunstâncias epidemiológicas atuais não se justifica a renovação do estado de emergência com restrições”.
O professor da Universidade de Lisboa, que desde o início da pandemia integra a equipa da FC que faz a modelação da evolução da covid-19 no país, diz que Portugal vive uma situação confortável. Aliás, é a primeira vez, desde setembro do ano passado, que os especialistas que habitualmente reúnem de duas em duas semanas, às terças-feiras, no Infarmed, com o Presidente da República, governo e políticos, não têm de reportar um retrato “preocupante” para sustentar a decisão que se aproxima.
Carlos Antunes acredita mesmo que, na próxima semana, Marcelo Rebelo de Sousa não terá de enviar à Assembleia da República um novo decreto-lei para o 16.º estado de emergência, “a não ser que do ponto de vista legal seja necessário manter um mecanismo, neste caso o de estado de emergência, mas sem restrições, para que se possa atuar no momento nas situações pontuais que surgirem”. É que, salienta, “ainda não estamos livres do vírus e o que vemos à nossa volta é preocupante”. Até agora, o facto de as fronteiras estarem fechadas tem ajudado à contenção na entrada de novos casos e até de novas variantes, portanto, “há que manter algumas precauções”, mas, “não se pode dizer que sejam necessárias restrições como as que tivemos em vigor até à Páscoa.”
O especialista em projeções admite que a situação existente no país está abaixo do que era previsível há duas semanas, em que ele próprio e muitos outros especialistas recomendavam o adiamento, por uma semana, para se tomar a decisão de avançar ou não com a fase seguinte do desconfinamento. “Com os dados de hoje, vemos que este adiamento não se justificava, mas era uma medida de precaução”.
“Portanto, as projeções para as próximas semanas indicam que a incidência no país se irá manter em níveis baixos, estabilizada”.
O impacto da última fase do desconfinamento, que ocorreu no dia 19, com a abertura de restaurantes, centros comerciais e atividades desportivas, ainda não é possível de traçar com rigor, mas as projeções para as próximas semanas são animadoras. “De acordo com as minhas estimativas, que são semelhantes às do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA), com exceção da região Norte, todas as outras regiões do país vão manter um índice de transmissibilidade abaixo de 1, o que quer dizer que a incidência nestas regiões está a descer, ligeiramente, incluindo no Algarve, que já resolveu o problema de há uma semana e que está agora com uma taxa de incidência de 95 casos por 100 mil habitantes e com o R(t) abaixo de 1. Portanto, as projeções para as próximas semanas indicam que a incidência no país se irá manter em níveis baixos, estabilizada”.
A única referência a destacar é mesmo a região Norte que está com o R(t) acima de 1 desde o dia 27 março, há praticamente um mês, o que fez com a taxa de incidência subisse de um valor mínimo de 47 casos por 100 mil habitantes para os atuais 91, quase duplicando. E, olhando para os concelhos desta região, há alguns para os quais Carlos Antunes chama a atenção. “Há um concelho que sobressai na nossa avaliação, porque não foi considerado na lista dos concelhos com restrições e deveria. É o concelho de Resende, que, apesar de ter uma população reduzida, tem uma incidência que subiu abruptamente e já está acima dos 600 casos por 100 mil habitantes Desconfio que possam existir outros concelhos semelhantes a este e, por isso, as autoridades locais devem estar atentas”.
Norte exige vigilância mas não é nada assustador
Contudo, o professor da Faculdade de Ciências tranquiliza, porque, embora “a região Norte esteja com um R(t) de 1.07, e isto ser uma preocupação porque faz com que a incidência continue a aumentar, o que se prevê é que, mesmo que evolua, não será para uma situação assustadora ou muito preocupante”. Explicando: “Mesmo que a incidência chegue aos 120 por 100 mil habitantes, tal como aconteceu recentemente no Algarve, não é motivo para grande preocupação. Só o é para as autoridades de saúde locais, que, obviamente, têm de manter a vigilância, reforçar o rastreio epidemiológico e a testagem, mas penso que já o estão a fazer, porque o R(t) atingiu o ponto máximo no dia 9 de abril, mas a partir daí começou a diminuir de uma forma muito lenta, mas a diminuir”.
No geral, Carlos Antunes diz que o país reagiu bem à abertura. “Conseguimos manter uma incidência baixa”, mas aqui “há a salientar que as restrições na Páscoa tiveram um efeito positivo“. “Apesar de ter havido muitas pessoas que saíram até antes dessa semana para fora, não houve grande transtorno e isso fez com que o índice de transmissibilidade interrompesse a tendência que vinha a verificar-se. Em vez de continuar a subir, estabilizou”. Um efeito que se prolongou para além desse período e que tem feito com que a incidência se mantenha baixa. É verdade, sublinha, que “o facto de as fronteiras estarem encerradas e de a população estar mais consciente das medidas de proteção – pelo menos é esta a minha perceção – também estão a ajudar a manter a incidência da doença baixa”. Carlos Antunes reforça que, tirando aqueles primeiros dias em que as pessoas saíram eufóricas para as esplanadas, as regras de proteção têm sido cumpridas.
Segundo o professor da Faculdade de Ciências há duas razões principais para os resultados obtidos: “O reforço do rastreio epidemiológico com o progressivo aumento da testagem e o processo de vacinação, que está a avançar”. O especialista argumenta que, tal como a sua equipa o defendeu em fevereiro, quando se começava a falar em desconfinamento, esta é a estratégia a manter. “É uma estratégia que está a surtir efeito”. Se nos mantivermos assim, “estamos no caminho certo para o controlo da doença”, afirma. “Desde março que se se tem vindo a registar um aumento progressivo da testagem. No início não aconteceu logo rapidamente, mas agora é visível o seu efeito, porque ao detetar de forma precoce potenciais cadeias de transmissão, está a reduzir a possibilidade de a doença evoluir”, afirma, acrescentando: “A vacinação já está a ter efeitos no grupo etário dos mais de 80 anos. Era o grupo que tinha maior incidência de casos por 100 mil habitantes e de há um tempo para cá, deixou de o ser. Passou do maior grupo com incidência para o menor e continua a diminuir”. Em termos de letalidade, “também há uma descida consistente e contínua nos óbitos neste grupo de mais de 80”.
Carlos Antunes reforça mesmo a importância de se manter estes dois fatores a funcionarem em pleno: “Se o R(t) se mantiver acima de 1 a incidência aumenta, é uma preocupação, mas se o ritmo da vacinação continuar a aumentar isso dá-nos maior tranquilidade e garantias de que a situação é controlável”. O que o faz defender, mais uma vez, que, “na terça-feira, no Infarmed se possam definir novas estratégias de abordagem de avaliação de risco mais permissivas que permitam avançar com a continuidade do desconfinamento”, embora “mantendo-se sempre a vigilância dos indicadores epidemiológicos e dos indicadores hospitalares”.
Preocupação quanto ao resto da Europa e do Mundo
Este é um alerta que reitera, porque continua a haver preocupação com o que se passa à nossa volta, em Espanha (com quem Portugal ainda tem fronteiras encerradas), Itália, Alemanha, para não falar do Brasil e da Índia, onde continuam a surgir novas variantes. Neste último, a nova variante está a atirar para os hospitais milhares de pessoas, deixando-os agora na linha vermelha, sem camas e sem oxigénio para tratar todos os que necessitam de cuidados. “A variante da Índia é uma preocupação, a do Brasil, de Manaus, também, porque parece que está a registar uma outra mutação. O fecho das fronteiras permite maior controlo neste sentido, por isso há que continuar com algumas precauções com o que se passa à nossa volta”.
Aumento significativo de casos dos 13 aos 17 anos
Em Portugal, um mês depois do início do desconfinamento, a 16 de março, o medo do ressurgimento de uma nova onda, ou de uma quarta vaga, parece ter sido suprimido. “A possibilidade de ressurgimento não se está a manifestar. Os indicadores que observamos são apenas de aumento de risco de contágio nos grupos mais novos, dos dez aos 29 anos. São grupos com uma taxa de variação diária, e com um aumento significativo na faixa dos 13 aos 17 anos”. Uma situação que o especialista diz ter a ver com a abertura das escolas, pois “do dia 16 março ao dia 22, registámos um ressurgimento de casos nos grupos dos zero aos 5 anos e dos 6 aos 12 anos. Nesta última faixa etária, houve um reforço do contágio depois da Páscoa, o que se verificou também nos grupos dos 13 aos 17 e dos 18 aos 24”. Aliás, sublinha, “olhando para as faixas etárias de dez em dez anos, vimos que a faixa dos dez aos 19 anos é a que mais cresce, depois é a dos 20 aos 29”.
No entanto, de acordo com a monitorização do INSA, a faixa etária com maior incidência é a da população dos 30 aos 35 anos. De qualquer forma, há que salientar que a incidência cresce nestes grupos, mas o risco de internamento ou de morte são extremamente baixos. “Mesmo com o aumento nestas faixas etárias não estamos numa fase de transmissão comunitária tirando, obviamente, alguns concelhos, que tiveram de ficar a marcar passo ou que tiveram de regredir, mas, até estes, já estão a conseguir controlar a situação”.
Desfiles de 25 de Abril e 1 de Maio são possíveis
Neste momento, estamos ao nível do início de setembro do ano passado, ligeiramente acima do que foi agosto, quando os casos começaram a aumentar no dia 16, mas nessa altura não tínhamos o nível de testagem que temos agora e nem a consciencialização da adesão ao uso de máscara que há agora. Por isso, quando colocamos a questão se os desfiles do 25 de Abril ou do 1 de Maio são uma preocupação, Carlos Antunes defende que não. Acredita que as organizações destes eventos estão em contacto com a Direção-Geral da Saúde para que tudo decorra dentro das regras e, ainda por cima, “são ajuntamentos ao ar livre em que a probabilidade de contágio é muito inferior relativamente aos espaços fechados”. As pessoas devem desfilar com distanciamento e com máscara e não vejo motivos para preocupação”, sublinha.
Quanto ao verão, também é de opinião que deveremos manter o otimismo de que será bom, mas sempre com cautelas. Aliás, “o nosso otimismo deve ser à medida do ritmo da vacinação”.