Marcelo Rebelo de Sousa decidiu não renovar o estado de emergência, mas o que significa isso para os trabalhadores? Teletrabalho deverá passar a ser obrigatório só nos concelhos de maior risco.
O país vai sair do estado de emergência, depois de este ter sido renovado mais de uma dezena de vezes, ao longo dos últimos meses. A evolução positiva da pandemia — dos internados à vacinação — explica a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa, que deverá ser sinónima do fim da adoção obrigatório do teletrabalho, mas apenas para alguns. De acordo com os advogados ouvidos pelo ECO, os trabalhadores dos concelhos de maior risco deverão ter de continuar nessa modalidade, mas com regras mais flexíveis do que até aqui.
No fim de março — estava, então, o país em pleno estado de emergência, mas já em desconfinamento –, o Executivo de António Costa decidiu prorrogar até 31 de dezembro de 2021 o decreto-lei que estipula que, nas áreas territoriais mais afetadas pela pandemia, o teletrabalho é de adoção obrigatória, desde que as funções sejam compatíveis, independentemente do número de trabalhadores que estejam a cargo do empregador e mesmo que não haja acordo entre as partes.
Ao ECO, fonte do Ministério do Trabalho explicou, na altura, que as regras previstas nesse diploma não seriam, contudo, aplicadas no imediato, estando derrogadas — isto é, suspensas — enquanto se mantivesse o estado de emergência.
Um mês depois e com a pandemia a evoluir de modo positivo, o Presidente da República decidiu agora retirar o país desse estado de exceção, o que significa que deixará de ser generalizada (ou seja, aplicada a todo o território nacional) a obrigação de adotar o teletrabalho. Deverá manter-se, ainda assim, para alguns, no âmbito do mencionado decreto-lei prorrogado pelo Governo.
Em conversa com o ECO, o advogado Luís Miguel Monteiro, da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, explica que, não havendo estado de emergência, deverá vigorar o decreto-lei cujas normas estavam derrogadas, ou seja, o teletrabalho deverá manter-se obrigatório nos concelhos de maior risco pandémico. “O que me parece lógico é que agora se aplique esta norma”, afirma o advogado, admitindo, ainda assim, que o Governo possa estabelecer outras regras ao abrigo, por exemplo, de um eventual estado de calamidade ou contingência.
Também José Pedro Anacoreta, advogado da PLMJ, entende que, com o levantamento do estado de emergência, é previsível que se aplique o referido decreto-lei que foi prorrogado pelo Governo, o que significa que “haverá medidas diferenciadas por concelhos”, em função dos níveis de risco. Em declarações ao ECO, o especialista em lei laboral diz acreditar que “muito provavelmente” o país passará a estado de calamidade, no âmbito do qual se deverá fazer essa distinção entre as várias áreas territoriais.
Anacoreta acrescenta que, uma vez que o estado de calamidade é decidido diretamente pelo Governo, esta quinta-feira já deverão ser anunciados os critérios e os concelhos aos quais se continuará a aplicar o teletrabalho.
Teletrabalho mantém-se para alguns, mas com outras regras
É importante notar que mesmo nos concelhos de maior risco, as regras do teletrabalho deverão ser diferentes — mais flexíveis — do que as que se têm aplicado nos últimos meses, em todo o país.
No quadro do estado de emergência, a adoção do teletrabalho tem sido obrigatória, independentemente do vínculo laboral, sempre que seja compatível com a atividade e que o trabalhador disponha de condições para a exercer, sem necessidade de acordo entre as partes.
Já no âmbito do decreto-lei cuja aplicação tem estado derrogada, mas que deverá começar agora a surtir efeitos, o teletrabalho é obrigatório nessas mesmas condições, mas admitindo-se a possibilidade de tanto o empregador como o trabalhador recusarem.
O empregador pode comunicar tal decisão ao trabalhador, se julgar que não estão reunidas as condições para adotar o teletrabalho, mas tem de o fazer de forma fundamentada — demonstrando que as funções não são compatíveis com a modalidade remota ou a falta de condições técnicas adequadas para tal — e por escrito.
Neste caso, o trabalhador pode, nos três dias úteis seguintes, pedir à Autoridade para as Condições do Trabalho a verificação dos requisitos para a adoção do teletrabalho e dos factos invocados pelo empregador. Os inspetores emitirão, assim, uma decisão, no prazo de cinco dias úteis, que terá de ser respeitada pela empresa.
Por outro lado, o trabalhador que “não disponha de condições para exercer as funções em regime de teletrabalho, nomeadamente condições técnicas ou habitacionais adequadas”, pode recusar ir para teletrabalho, informando o empregador, por escrito, dos motivos do seu impedimento.
Diz o decreto-lei que estas regras aplicam-se às empresas com “estabelecimentos nas áreas territoriais em que a situação o justifique, definidas pelo Governo mediante resolução do Conselho de Ministros“, independentemente do número de trabalhadores.
Nestas empresas, mas também naquelas que tenham estabelecimentos ou trabalhadores que residem ou trabalhem em concelhos considerados de risco moderado, “conforme declarados pelo Governo mediante resolução de Conselho de Ministros”, estão ainda previstas regras específicas para os imunodeprimidos, doentes crónicos, trabalhadores que possuam deficiência (com grau de incapacidade igual ou superior a 60%) e trabalhadores com filhos ou outros dependentes a cargo menores de 12 anos impossibilitados de assistirem às atividades letivas presenciais, por serem considerados doentes de risco.
Neste caso, a adoção do regime de teletrabalho é obrigatória independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer, sem necessidade de acordo escrito entre o empregador e o trabalhador.
O referido diploma dita, por outro lado, que nas empresas com locais de trabalho com mais de 50 ou mais trabalhadores nas tais áreas territoriais em que a situação epidemiológica o justifique, é obrigatório desfasar os horários de trabalho, de modo a evitar ajuntamentos.
O ECO questionou o Governo sobre como serão distribuídos os concelhos pelos diferentes níveis de risco, de modo a perceber em quais se mantém o teletrabalho, mas ainda não obteve resposta.
Partidos pediram apreciação de teletrabalho
A prorrogação do teletrabalho até ao final do ano, nos concelhos mais afetados pela pandemia, tem gerado múltiplos críticas, da esquerda à direita. Na Assembleia da República, PSD, PCP, CDS e Iniciativa Liberal pediram a apreciação deste diploma, tendo colocado, contudo, em cima da mesa diferentes soluções para a matéria. Por exemplo, os social-democratas não rejeitam o prolongamento desta obrigação, querem é que dependa de uma avaliação da situação pandémica. Já os comunistas admitem pedir mesmo a revogação de decreto-lei.
Em reação, o Governo mostrou abertura para mudar o diploma. Ao Expresso, o secretário de Estado do Trabalho afirmou que “o Governo tem flexibilidade” e salientou: “Não temos uma opção fechada.”