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Terceira dose da vacina não pode basear-se em testes serológicos, defendem especialistas

Os testes serológicos medem anticorpos e são importantes na realização de estudos longitudinais. No entanto, só por si, não indicam se as pessoas ainda têm imunidade contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2) e, por isso, especialistas defendem que estes não devem ser utilizados isoladamente para decidir sobre uma eventual terceira dose.

Depois de várias notícias que davam conta de surtos em lares de idosos e infeções entre utentes e funcionários vacinados e de o o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social ter anunciado a realização de um estudo serológico a cinco mil funcionários e utentes de lares de idosos — para aumentar o conhecimento científico sobre a duração dos efeitos da vacina nesta população —, surge a discussão sobre a verdadeira importância destes resultados para a avaliação de uma eventual terceira dose da vacina.

Também o estudo do Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra, que concluiu que três meses após a toma da vacina os anticorpos começam a baixar, preocupou a comunidade escolar que pede medidas urgentes ao Governo. Os diretores das escolas defendem que professores e funcionários devem realizar testes serológicos e receber nova dose da vacina contra a covid-19 para evitar o regresso ao ensino à distância.

No entanto, notícia do Público indica que os especialistas “pedem calma” e que testes serológicos em massa e uma terceira dose de vacina para professores são medidas que não fazem sentido nesta fase.

“O que é que os professores vão perceber com os testes serológicos? Vão verificar que têm anticorpos, os níveis de anticorpos que têm, mas como é que os vão comparar se não têm resultados de testes serológicos feitos antes?”, questiona Germano Sousa, médico patologista e dono da cadeia de laboratórios, citado pela publicação.

Germano Sousa relembra que “os agentes patogénicos criam anticorpos que, a partir de determinada altura, começam a cair” e que “isso não significa que não estejamos protegidos”, salientando que não se pode confundir a protecção conferida pelas vacinas com os níveis de anticorpos.

Também Miguel Prudêncio, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular (iMM), refere, citado pelo Público, que “os anticorpos são uma das componentes do nosso sistema imunitário, não a única” e que “não podemos retirar conclusões em função dos níveis de anticorpos em circulação”. O investigador reitera que a diminuição da quantidade de anticorpos ao longo do tempo “é uma coisa normal, os anticorpos sobem depois do estímulo, atingem o pico, e depois começam a cair, não é inesperado nem preocupante”, reconhecendo que os testes serológicos “são importantes para ensaios longitudinais”, mas que “estes dados, por si só, não servem para tomar uma decisão sobre a terceira dose”.

“Uma pessoa pode ter níveis baixos de anticorpos e estar protegida. Isto é complexo. Existem no organismo células de memória que estão preparadas para rapidamente produzir anticorpos se forem estimuladas para isso. As células T têm um papel essencial”, acrescenta.

No entanto, Miguel Prudêncio assume que poderá chegar o momento em que seja necessária a administração de uma terceira dose da vacina, porém, “para já, não é claro que seja”.

“Antes da variante Delta, falava-se em protecção contra a infecção superior a 80% mas, agora, há estudos preliminares que apontam para uma protecção contra a infecção de entre 50 a 60%, ainda que a protecção contra formas mais graves da doença se mantenham acima dos 90%”, relembra o investigador que pede calma, defendendo que “as decisões sobre a necessidade de terceira dose não podem surgir em função da exigência de grupos profissionais”.

A investigadora Maria João Amorim, do Instituto Gulbenkian de Ciência, explica também que “é natural que os níveis de anticorpos baixem ao fim de algum tempo” e que tal é “observado noutras infeções”, reiterando também a importância dos linfócitos T no papel resposta imunitária contra a infeção. Para a investigadora, os testes serológicos também fazem sentido no caso de um estudo longitudinal. Segundo indica, os estudos indicam “a quantidade de anticorpos, não dizem se inibem a reinfeção ou não, não testam os anticorpos neutralizantes, mas sim os anticorpos totais, nem as células T de memória que são imediatamente reactivadas quando há reinfeção”.

Na semana anterior, o coordenador da ‘task force’, vice-almirante Gouveia e Melo, no final de uma visita ao Centro de Vacinação Covid-19 de Évora, afastou a possibilidade de uma terceira dose da vacina em idosos nos lares: “Não há evidência científica, neste momento, para dizer que a terceira dose é necessária. E, enquanto não houver evidência científica, não devemos começar a criar uma imagem que vem aí qualquer coisa e temos que ir já para uma terceira dose”.

Questionado sobre a hipótese de se realizarem testes à imunidade nos lares, Gouveia e Melo, recorrendo ao que disse ter ouvido “dos técnicos de saúde”, explicou que “a medida de anticorpos pode não ser suficiente para nós percebermos se estamos ou não protegidos contra o vírus, porque nas células T há memória do vírus e as células T em presença do vírus criam anticorpos”. Por isso, salientou ainda, se forem medidos os anticorpos a uma pessoa que “não teve contacto com o vírus recentemente”, esta “pode ter os anticorpos a zero”, mas isso “não significa que não tenha defesa para o vírus”. O coordenador da ‘task force’ mencionou também “estudos” sobre as células T que indicam que a imunidade “fica adquirida por um longo período, se não para a vida toda”.

Também Lacerda Sales reforçou que “há vários tipos de imunidade e que a imunidade também tem memória, nomeadamente a linfócitos T e que, portanto, os testes serológicos, só por si, e existência de anticorpos pode não significar que a pessoa tem [ou não] imunidade. A pessoa pode não apresentar anticorpos por via dos testes serológicos e pode ter essa imunidade de memória”.

fonte: https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/terceira-dose-nao-pode-basear-se-em-testes-serologicos