O direito a desligar do trabalho traduz-se na separação entre a vida pessoal e profissional do trabalhador, a fim de salvaguardar a saúde física e mental. Contudo, o teletrabalho veio esbater esta divisão — e muitos trabalhadores temem sofrer represálias se recusarem trabalhar “fora de horas”.
A Comissão Europeia está a estudar a regulamentação do direito a desligar das atividades laborais na União Europeia (UE), nomeadamente durante o teletrabalho imposto devido à pandemia, querendo também assegurar o respeito pelos limites do tempo do trabalho.
“Todos sabemos que o teletrabalho está a criar novas condições para os trabalhadores e para as empresas e é por isso que, aliás, existe a questão do direito de desligar, porque se uma pessoa está em teletrabalho, isso não pode significar que não haja distinção entre o seu tempo de trabalho e a sua vida privada”, afirmou em entrevista à agência Lusa, em abril, o comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit.
Numa altura em que muitos países impõem a manutenção do teletrabalho como forma de combater a covid-19, esta é uma questão que tem vindo a ser debatida, já que afeta as condições de trabalho e até a saúde das pessoas, que “não são robôs e não podem trabalhar 24 horas, não podem ser contactadas 24 horas por dia em sete dias por semana”, salientou na altura.
Escreve hoje o Expresso que a situação em Portugal não é diferente do que acontece pela Europa. “Não é à toa que Portugal é o terceiro país europeu onde as empresas disponibilizam mais telemóveis aos seus trabalhadores. Sabem que é um instrumento eficaz para prolongar as jornadas de trabalho”, referiu ao jornal o advogado António Garcia Pereira, especialista em direito laboral, ao mesmo tempo que denuncia “uma quantidade absurda” de horas extraordinárias que não são pagas nas empresas.
Perante este cenário, os trabalhadores podem recusar este tipo de comunicações? Podem, mas muitos não o fazem. A justificação é apresentada pelo advogado: “Com o elevadíssimo grau de precariedade que existe no nosso país, sentem que estão fragilizados” se o fizerem e temem sofrer represálias.
Com a pandemia, o debate voltou à ordem do dia. “Há dois estudos muito interessantes, em que a maioria das pessoas referem que o teletrabalho significou uma extensão da jornada de trabalho. As novas tecnologias vieram propiciar esta realidade”, adiantou Garcia Pereira.
Fora do horário laboral, o trabalhador deverá ter o direito de não atender chamadas, responder a emails ou proceder a qualquer outro contacto de trabalho.
A pandemia de covid-19 veio esbater esta divisão entre a vida pessoal e profissional, com muitos dos trabalhadores a estarem constantemente conectados, ainda que fora do horário de trabalho.
Em janeiro passado, o Parlamento Europeu adotou uma resolução pedindo à Comissão que apresentasse uma lei para permitir aos trabalhadores desligar-se digitalmente do trabalho durante as horas não laborais e que estabelecesse normas mínimas para o trabalho remoto.
De realçar, todavia, que o atual Código do Trabalho em Portugal prevê que os empregadores devam respeitar o horário dos trabalhadores, não os devendo contactar fora desse período. Em setembro prevê-se que o tema regresse à agenda parlamentar.