No início de setembro, todas as restrições foram levantadas e a doença deixou de ser considerada uma “ameaça crítica” no país. “Confiança” parece ter sido a palavra-chave do combate ao vírus SARS-CoV-2 na Dinamarca.
Portugal está próximo de atingir 85% da população com a vacinação completa contra a Covid-19 e, por isso, o Conselho de Ministros da próxima quinta-feira, 23, será sinónimo de alívio das restrições impostas pelo combate à pandemia.
Já a Dinamarca soma 75% da população imunizada, mas todas as limitações foram levantadas no dia 10 de setembro, altura em que o vírus deixou de ser considerado uma “ameaça crítica”.
O sucesso deste país nórdico na gestão da epidemia está intrinsecamente relacionado com a confiança que os seus quase seis milhões de habitantes depositaram nas autoridades do país, mas também com o discurso de responsabilização da população, mostram vários estudos.
O maior inquérito sobre o comportamento dos dinamarqueses durante a pandemia, o HOPE Project, que entrevistou cerca de 400 mil pessoas, revelou que a aprovação das políticas do governo por parte da população se manteve à volta dos 70% desde abril do ano passado até julho deste ano. Já em França, por exemplo, outro dos países analisados, as políticas governativas nunca foram consideradas essenciais por mais de 40% dos inquiridos.
Também mais de 90% dos cidadãos dinamarqueses confiam nas autoridades de saúde e 80% estavam dispostos a serem inoculados ainda antes do início da campanha de imunização. Este grau de confiança terá sido essencial para a adesão à vacinação, à testagem e aos passaportes sanitários.
Um estudo publicado no BMJ Open, publicação científica subsidiária do British Medical Journal, avaliou a aceitação das vacinas contra a Covid-19 em oito países (Dinamarca, França, Alemanha, Hungria, Suécia, Itália, Reino Unido e Estados Unidos) e encontrou uma correlação entre a desconfiança das instituições e dos cientistas e a hesitação vacinal (a falta de vontade de ser inoculado).
Segundo a investigação, os países menos recetivos à vacina, de acordo com os dados recolhidos entre setembro de 2020 e fevereiro de 2021, eram a França e a Hungria, com 47% das pessoas disponíveis para serem inoculadas, enquanto a Dinamarca se destacava com 83% dos inquiridos abertos à imunização.
Em nome da transparência
Outro estudo conduzido por investigadores do HOPE Project mostra que divulgar informação transparente sobre os aspetos negativos das vacinas (incluindo os seus efeitos adversos) pode contribuir para aumentar a hesitação da população no imediato mas, a longo prazo, aumenta a confiança nas instituições.
A Dinamarca foi um dos países que optou por não administrar as vacinas contra a Covid-19 da AstraZeneca e da Johnson & Johnson, apesar dos seus raros efeitos secundários. Copenhaga optou por doar três milhões de doses destes fármacos aos países em desenvolvimento.
Devido ao atraso na imunização da população que esta decisão provocou, as autoridades de saúde decidiram investir na testagem em massa. Na primavera, o país chegou a realizar quatro milhões de testes por semana, ou seja, 75 testes por cada 100 habitantes.
Ao contrário de britânicos, franceses e italianos, os nórdicos mantiveram-se mais otimistas do que pessimistas ao longo do último ano
Dois investigadores do HOPE Project, autores de um artigo sobre os méritos da Dinamarca publicado no The Washington Post, sublinham que a mensagem do governo de que se tratava de uma “obrigação moral” respeitar as restrições sanitárias não degenerou em conflitos sociais, nem na condenação pública dos incumpridores.
“A maior parte das pessoas seguiu os conselhos das autoridades e não assumiu a responsabilidade de policiar os outros”, escreveram.
A cooperação entre os partidos políticos também foi essencial para diminuir a polarização da população, defendem os investigadores. Em abril do ano passado, 85% dos inquiridos pelo HOPE Project consideravam que os líderes do país estavam unidos na luta contra a pandemia.
Os cidadãos também tiveram o mérito de alterarem substancialmente os seus hábitos. Mais de 60% passaram a evitar multidões e a lavar as mãos com mais frequência. No Reino Unido, que integra igualmente o HOPE Project, apesar de mais de 80% dos entrevistados evitarem aglomerados de pessoas, apenas cerca de 40% passaram a lavar as mãos mais vezes.
Outro dado curioso que poderá ajudar a explicar o sucesso dinamarquês é o facto de, ao contrário de britânicos, franceses e italianos, os nórdicos se terem mantido mais otimistas do que pessimistas ao longo do último ano.
Todas estas medidas e comportamentos terão contribuído para que a mortalidade causada pela Covid-19 na Dinamarca tenha sido de 452 óbitos por milhão de habitantes. Em Portugal, morreram 1 761 pessoas por milhão de habitantes até 20 de setembro, de acordo com os dados compilados pela Our World in Data, página de estatística criada na Universidade de Oxford. Nos Estados Unidos, o número de mortes sobe para as 2 023 por milhão de habitantes.
fonte: https://visao.sapo.pt/visaosaude/2021-09-22-qual-o-segredo-da-dinamarca-para-derrotar-a-covid-19/