Opinião é de Henrique Barros, um dos especialistas que marcou presença na reunião do Infarmed nesta terça-feira, 27 de abril.
Com o fim do estado de emergência já na próxima sexta-feira, dia 30 de abril, Portugal pode entrar em situação de calamidade. O anúncio deverá ser feito já na próxima quinta-feira, depois da reunião do conselho de ministros, por António Costa. Saiba as diferenças entre estes dois regimes de exceção e o que pode mudar no início de maio.
Quem pode declarar estado de emergência ou situação de calamidade?
O estado de emergência tem de ser uma iniciativa do Presidente da República, aprovada por deliberação da Assembleia da República, depois de ouvido o Governo. Já a situação de calamidade pode ser decretado apenas pelo Governo.
O que leva a decretar estado de emergência ou situação de calamidade?
O estado de emergência é o segundo grau dos estados de exceção previstos na lei 44/86 e pode determinar “a suspensão parcial do exercício de direitos, liberdades e garantias”. Pode ser declarado “nomeadamente quando se verifiquem ou ameacem verificar-se casos de calamidade pública”.
A calamidade pública é um dos motivos para ser decretado estado de emergência e pode implicar, “se necessário, o reforço dos poderes das autoridades administrativas civis e o apoio às mesmas por parte das Forças Armadas”.
A situação de calamidade é regulada pela Lei de Bases da Proteção Civil, embora a Lei de Bases da Saúde também tenha o seu peso. Já que confere às autoridades do SNS legitimidade legal para ordenarem “a suspensão de atividade ou o encerramento dos serviços, estabelecimentos e locais referidos […] quando funcionem em condições de grave risco para a saúde pública”, “desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a indivíduos em situação de prejudicarem a saúde pública”, “exercer a vigilância sanitária das fronteiras” e “proceder à requisição de serviços, estabelecimentos e profissionais de saúde em casos de epidemias graves e outras situações semelhantes”.
Assim, para ser decretada a situação de calamidade, o país deve estar confrontado com uma situação de “catástrofe”, definida como “o acidente grave ou a série de acidentes graves suscetíveis de provocarem elevados prejuízos materiais e, eventualmente, vítimas, afetando intensamente as condições de vida e o tecido socioeconómico em áreas ou na totalidade do território nacional”. Decretada a situação de calamidade pública, o Estado reconhece “a necessidade de adotar medidas de caráter excecional destinadas a prevenir, reagir ou repor a normalidade das condições de vida nas áreas atingidas pelos seus efeitos”.
O que não transita para a situação de calamidade?
Deixam de estar suspensos direitos como o direito à resistência ou direito à greve ou outras limitações aos direitos dos trabalhadores.
O que herda a situação de calamidade do estado de emergência?
Na situação de calamidade, será apenas o Governo a decretar e regulamentar, embora, devam continuar a existir as reuniões com os especialistas e responsáveis políticos que têm decorrido no Infarmed, em Lisboa. O Governo também quer manter os encontros com os lideres partidários e os membros da concertação social.
Que papel têm as Forças Armadas nos diferentes estados?
No estado de emergência as Forças Armadas estão em prontidão, enquanto na situação de calamidade, atendendo a que é regulado pela lei de bases da proteção civil, são as forças de proteção civil que têm responsabilidade pelas operações.
A situação de calamidade implica a suspensão de direitos?
Sim, implica. Apesar de na lei não o definir precisamente nestes moldes, na verdade pode implicar sobretudo limites ao direito de liberdade de circulação e ao direito à propriedade privada.
Contudo, segundo os constitucionalistas, a situação de calamidade pública não permite suspensões do direito à greve como as atualmente em vigor; nem a proibição das missas; nem as medidas de confinamento obrigatório de doentes (cuja violação é passível de pena de prisão) visto que a Constituição expressamente diz (artigo 27º) que medidas privativas de liberdade para doentes só em caso de “anomalia psíquica”.
Existem limites à circulação na situação de de calamidade?
Podem ser fixados “limites ou condicionamentos à circulação ou permanência de pessoas, outros seres vivos ou veículos”, diz a lei, sendo que essa limitação pode ser feita por razões de segurança dos próprios ou das operações.
Podem ainda ser fixadas “cercas sanitárias e de segurança”. O artigo sobre o âmbito do estado de calamidade permite “a racionalização da utilização dos serviços públicos de transportes, comunicações e abastecimento de água e energia, bem como do consumo de bens de primeira necessidade”.
O artigo 22.º da lei de bases da proteção civil faz inclusive referência à possibilidade de uma epidemia como motivo para restrições à circulação, quando diz que pode ser decretado “o estabelecimento de limites ou condições à circulação ou permanência de pessoas, outros seres vivos ou veículos, nomeadamente através da sujeição a controlos coletivos para evitar a propagação de surtos epidémicos”.
Na situação de calamidade também podem ser requisitados bens privados?
Sim. A lei especifica que a “declaração da situação de calamidade é condição suficiente para legitimar o livre acesso dos agentes de proteção civil à propriedade privada, na área abrangida, bem como a utilização de recursos naturais ou energéticos privados, na medida do estritamente necessário para a realização das ações destinadas a repor a normalidade das condições de vida”.
A situação de calamidade tem prazos para vigência e renovação?
Não existe um prazo definido para renovação, ao contrário do estado de emergência que só é válido por 15 dias, embora possa ser sucessivamente renovado. A situação de calamidade pode manter-se enquanto se mantiver o contexto que lhe deu origem. O Governo já informou que a situação continuará a ser avaliada a cada 15 dias.