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Porque os aneurismas são mais frequentes nas mulheres?

O predomínio do género feminino só se verifica a partir da 4ª década de vida, dado que, na infância e na adolescência, os aneurismas são mais frequentes no género masculino. A explicação de Marcos Barbosa, Diretor do Serviço de Neurocirurgia do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra

Os aneurismas cerebrais constituem uma patologia potencialmente muito grave, especialmente pelo risco de poderem romper, originando uma forma de acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico denominado hemorragia subaracnoidea (HSA). A HSA é uma das variantes mais graves dos AVC e representa o único tipo de AVC que tem mais incidência no género feminino do que no masculino, apesar de muitos dos fatores de risco conhecidos para doença vascular serem mais frequentes no género masculino. Isto faz pressupor, então, que fatores hormonais possam estar ligados à etiopatogenia dos aneurismas cerebrais.

Existe já evidência científica de que há uma estreita relação entre uma deficiência de estrogénios e a formação e rotura dos aneurismas cerebrais. Os estrogénios terão um papel protetor e o seu défice acarreta maior risco de desenvolvimento de aneurismas cerebrais e de HSA. Na verdade, o predomínio do género feminino só se verifica a partir da 4.ª década de vida, dado que, na infância e na adolescência, os aneurismas são mais frequentes no género masculino. Na 2.ª e 3.ª décadas, a sua distribuição é semelhante nos dois géneros. A partir dos 40 anos, o predomínio passa então a ser do género feminino, acentuando-se este predomínio com o aumento da faixa etária, em evidente relação com o período peri e pós-menopáusico. Mulheres com menopausa precoce têm maior risco de HSA por rotura aneurismática. Várias explicações existem para justificar a influência dos níveis de estrogénios para o desenvolvimento e para a rotura dos aneurismas cerebrais, implicando alterações em mecanismos moleculares, passando pelo papel de recetores celulares de estrogénios na parede do aneurisma, pela diminuição da resistência às alterações de fluxo na parede dos aneurismas, pela indução de alterações hemodinâmicas locais e pela indução de inflamação na parede do aneurisma. Uma importante questão que se coloca com frequência, versa o risco de rotura de aneurismas cerebrais durante a gravidez. Alterações fisiológicas que ocorrem durante a gravidez, como o aumento do débito cardíaco e o aumento do volume sanguíneo circulante, não fazem aumentar o risco de rotura dos aneurismas nas grávidas, provavelmente porque esses potenciais efeitos deletérios são contrabalançados pelo aumento dos estrogénios circulantes, condicionando assim um estado de “equilíbrio” que torna o risco de HSA na mulher grávida semelhante ao da população geral. De facto, múltiplos estudos têm comprovado que em grávidas com aneurismas cerebrais não rotos não existe risco acrescido de aumento das suas dimensões nem de rotura. Não se diferenciam, portanto, as mulheres grávidas da restante população. Também em relação ao parto eutócico, não existe, à luz da evidência atual, risco acrescido de rotura aneurismática, pelo que a opção pelo parto distócico não terá justificação clínica, como regra.

O tratamento destas doentes grávidas com aneurismas cerebrais, seja cirúrgico seja endovascular, não está contraindicado e não está associado a piores resultados, se comparados com a restante população. Dado o possível papel protetor da substituição hormonal e da utilização da contraceção oral na prevenção do desenvolvimento e da rotura de aneurismas cerebrais, papel esse demonstrado quer por estudos experimentais, quer por estudos em humanos, e especialmente na ausência, na atualidade, de outras medidas preventivas – que não a modificação de estilo de vida para controlo de fatores de risco, de onde se destaca a abstinência tabágica – a terapêutica hormonal pode, eventualmente, vir a revelar-se, no futuro, uma arma eficaz para combater quer o desenvolvimento dos aneurismas cerebrais, quer a sua rotura, a qual constitui uma potencial catástrofe que pode ocorrer em qualquer pessoa, sendo que essa possibilidade é dupla no género feminino, quando comparada com o género masculino.

(Artigo publicado na VISÃO Saúde de dez 20/jan21)

fonte: https://visao.sapo.pt/visaosaude/2021-05-05-porque-os-aneurismas-sao-mais-frequentes-nas-mulheres/