Ao todo, o Ministério da Saúde abriu 1 073 lugares e foram ocupados 697. A Medicina Interna, a Anestesiologia e a Pediatria são as especialidades que captaram mais profissionais.
Aberto em julho deste ano, o concurso para a contratação de médicos especialistas recém-formados previa a integração de 1 073 novos profissionais no Sistema Nacional de Saúde (SNS). No entanto, apenas 697 vagas foram preenchidas, ficando cerca de 35% dos lugares por ocupar.
Segundo os dados enviados pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACCS) à VISÃO, foram particularmente reforçadas as especialidades de Medicina Interna (104), Anestesiologia (52), Pediatria (44), Cirurgia Geral (35) e Psiquiatria (31).
O concurso estava dividido entre 1 041 vagas na área hospitalar e 32 na saúde pública, sendo ocupadas 674 e 23, respetivamente. De acordo com a ACSS, o Alentejo foi a região com a mais baixa percentagem de lugares preenchidos.
O secretário regional do Alentejo do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Armindo Ribeiro, aponta uma razão fundamental para a falta de atratividade do SNS: “Boicotou-se a progressão na carreira e os especialistas reformaram-se ou optaram pelo privado, ou pelo estrangeiro, e não estão a ser substituídos”, afirma o internista do Hospital do Litoral Alentejano.
Boicotou-se a progressão na carreira e os especialistas reformaram-se ou optaram pelo privado, ou pelo estrangeiro, e não estão a ser substituídos
Armindo Ribeiro, secretário regional do Alentejo do Sindicato Independente dos Médicos
O SIM estima que, só no último ano, mais de 300 médicos rescindiram contrato como o SNS. E está previsto que se reformem mais 1 600 nos próximos três anos (1 300 serão de medicina geral e familiar).
A falta de profissionais no SNS reflete-se nas horas extraordinárias realizadas: “Não se pode pedir mais aos médicos. Em 2019, fizeram cerca de 6 milhões de horas extras e, no ano passado, foram à volta 9 milhões”, contabiliza o presidente do SIM, Jorge Roque da Cunha, que também aponta o dedo aos gastos com prestadores de serviços, “140 milhões de euros em 2019”, assegura.
À VISÃO, o ministério da Saúde contrapõe que, “a 31 de agosto de 2021, registavam-se mais 11 634 trabalhadores no SNS do que em fevereiro de 2020”. Durante a pandemia, foram integrados “1 370 trabalhadores nos cuidados de saúde primários, 871 nas unidades de cuidados intensivos e 220 na saúde pública”.
Além disso, no total, foram abertas 1 532 vagas para contratar médicos que terminaram a especialidade este ano (1 041 na área hospitalar, 459 em medicina geral e familiar e 23 na saúde pública), ou seja, mais 147 do que em 2020.
Contudo, as chamadas “vagas carenciadas”, que procuram incentivar as candidaturas a hospitais e centros de saúde especialmente desfalcados de mão-de-obra, têm atraído cada vez menos pessoas.
Até julho deste ano, 263 especialistas beneficiavam deste sistema, em 2019 eram 358 e, no ano passado, 313. Este apoio prevê vários benefícios, como o aumento da remuneração ou dos dias de férias, mas nem todas as vagas são abertas ao abrigo deste regime, que tem uma duração limitada no tempo, que o Governo estendeu de três para seis anos.
O drama da falta de médicos de família
Este ano, já tinham sido conhecidos os resultados do concurso para a colocação de especialistas em Medicina Geral e Familiar. Neste caso, dos 459 lugares abertos, ficaram por ocupar 167, mais de 36%.
Atualmente, existem cerca de 1,1 milhões de utentes sem médico de família. É na região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) que a situação é mais grave, com 700 mil pessoas sem clínico atribuído. A Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) estima que sejam necessários mais de 700 profissionais para resolver o problema em todo o País.
Formamos centenas de especialistas todos os anos, mas um terço das vagas fica por preencher, às vezes até mais. Se o SNS fosse atrativo, já teríamos médicos de família para todos
nuno jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
“Formamos centenas de especialistas todos os anos, mas um terço das vagas fica por preencher, às vezes até mais. Se o SNS fosse atrativo, já teríamos médicos de família para todos”, garante o presidente da APMGF, Nuno Jacinto.
E não é apenas a revisão das tabelas salariais que é urgente, defende o especialista em Medicina Geral e Familiar. É, também, o investimento em melhores condições de trabalho, incluindo a modernização dos centros de saúde, e a diminuição da sobrecarga de tarefas a que os profissionais estão obrigados.
Nuno Jacinto não acredita que a formação de mais médicos seja a solução, até porque são escassos os especialistas necessários para os receber e acabar de formar no SNS. E deixa um apelo: “Se as vagas ficam por preencher, temos de perceber porquê”.